Brasil lidera ranking mundial de cirurgias plásticas
O cirurgião plástico Sergio Romay afirma que muitos adolescentes buscam procedimentos estéticos
O Brasil é o país que realiza o maior número de cirurgias plásticas no mundo, segundo a Sociedade Internacional de Cirurgia Plástica Estética (ISAPS). De acordo com a pesquisa realizada pela ISAPS, em 2018 o Brasil fez mais de um milhão de cirurgias plásticas e 969 mil procedimentos estéticos não cirúrgicos. A popularização de cirurgias entre jovens e adolescentes também cresceu no país, segundo dados da Sociedade Brasileira de Cirurgias Plásticas (SBCP): em 2016 foram realizadas 97 mil cirurgias em adolescentes.
Para o cirurgião plástico Sergio Romay, um dos principais motivos pelo aumento de cirurgias plásticas no Brasil é a qualificação dos médicos. Hoje, o Brasil é considerado o país com os melhores cirurgiões plásticos do mundo, segundo ele. Mas a banalização das cirurgias plásticas – principalmente entre os jovens – e o acesso da população aos profissionais e procedimentos também são responsáveis pelo aumento dos casos. No entanto, ele faz alguns alertas: nem todos os profissionais de outras áreas da saúde e até mesmo da medicina estão autorizados a realizar plásticas e procedimentos. “É preciso que o paciente faça uma pesquisa para conhecer o médico, antes de realizar qualquer cirurgia ou procedimento”, recomenda. Há cirurgias que não devem ser feitas em adolescentes, que ainda estão em fase de crescimento e muitas vezes são influenciados pelo efeito chamado de ‘Dismorfofobia do Snapchat’.
Graduado em medicina pela Universidade Gama Filho do Rio de Janeiro, Romay também tem formação em cirurgia plástica com o médico Ivo Pitanguy. Professor assistente do curso de Pós-Graduação em Cirurgia Plástica e Reconstrutiva do Instituto de Pós-Graduação Médica Carlos Chagas (IPGMCC) e professor convidado do programa de Pós-Graduação em Cirurgia Plástica da Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro (UNI-RIO), ele deu uma entrevista exclusiva para o Digitais:
O Brasil lidera o ranking mundial em cirurgias plásticas. Na sua opinião, quais são os principais fatores para a popularização destes procedimentos cirúrgicos?
Antigamente os procedimentos cirúrgicos eram muito mais elitistas – e ainda continuam sendo – mas antes o valor das cirurgias era muito maior do que atualmente. Além disso, as cirurgias se limitavam a procedimentos realizados para a saúde e não pela estética, e por isso não eram um serviço tão procurado quanto atualmente. Outro fator que influenciou a alta posição do Brasil neste ranking é a banalização das cirurgias plásticas, algo que infelizmente vem acontecendo há um tempo. Isto ocorre quando profissionais de outras áreas, até mesmo da medicina, em alguns casos, que não são autorizados a realizar estes procedimentos, sucedem as cirurgias da mesma forma, muitas vezes prejudicando a saúde de muitos pacientes.
Que profissionais não estão autorizados a fazer cirurgias estéticas?
A medicina estética, por exemplo, não é reconhecida pelo Conselho Federal de Medicina, mas, apesar disto, há profissionais que fazem um curso de poucos dias e já se consideram qualificados para realizar tais procedimentos. Estes procedimentos estéticos não são a mesma coisa que cirurgias plásticas. Se somarmos o número de procedimentos estéticos às cirurgias plásticas, os Estados Unidos se encontram em primeiro lugar no ranking, mas considerando apenas as cirurgias, o Brasil é o país que lidera o ranking mundial. O Brasil é considerado o país com os melhores cirurgiões plásticos do mundo, com profissionais que são referência no mundo todo, então muitas pessoas de outros países vêm para cá para realizar estes procedimentos cirúrgicos.
Segundo a Sociedade Brasileira de Cirurgia Plástica, houve um aumento de 141% nos procedimentos em jovens de 13 a 18 anos, de 2009 a 2019. Qual é a causa desse crescimento?
As redes sociais afetam os adolescentes tanto no momento de fazerem suas publicações e não gostarem das fotos, quanto pela recepção das outras pessoas. Os comentários podem influenciar os jovens a realizarem cirurgias para se sentirem melhor consigo mesmo. Há ainda um fenômeno chamado ‘Dismorfofobia do Snapchat’, que teve origem nos filtros disponibilizados por este aplicativo e que alteram a face e o corpo das pessoas. Estes filtros se tornaram muito populares entre os adolescentes e de uma certa forma influenciam os jovens a quererem realizar as cirurgias com base na imagem construída pelo filtro.
Existem procedimentos que não devem ser feitos em adolescentes?
A rinoplastia tem algumas restrições. Entre as mulheres, o procedimento só deve ser realizado em pacientes com pelo menos de 15 anos e, nos homens, com 17 anos ou mais. Outro caso é o implante mamário, que é desejado por algumas pacientes muito jovens, mas não é recomendável, pois as jovens ainda estão em fase de desenvolvimento das mamas. Precisa-se avaliar também o quanto estas características que incomodam os jovens realmente os prejudicam. A hipertrofia mamária ou gigantoplastia, por exemplo, quando adolescentes de 16 anos têm seios muito grandes, pode apresentar problemas de coluna e de postura. Nestes casos, os cirurgiões plásticos devem saber avaliar a situação e sempre conversar com os pais e responsáveis, em casos de paciente menores de idade. Por isso, devemos ter um cuidado muito grande ao realizar cirurgias em pacientes tão jovens.
Qual é o procedimento mais comum entre as adolescentes, hoje?
A lipoaspiração, porque hoje os adolescentes passam muito tempo no celular e não realizam atividades físicas. Essa rotina sedentária contribui para o ganho de peso e os jovens se sentem insatisfeitos com seus corpos. Os adolescentes veem a lipoaspiração como um procedimento realizado para emagrecer, sendo que esta cirurgia é realizada para alterar o contorno corporal da pessoa. Nestes casos, o cirurgião pode realizar a lipoenxertia, um procedimento que tira gordura de um lugar onde ela se encontra em excesso e a transfere para outra região do corpo, que pode ser preenchida com mais gordura. Mas se o paciente estiver com o Índice de Massa Corporal (IMC) muito elevado, devemos primeiro abaixar este número por meio de uma boa alimentação e exercícios físicos e só depois realizar a cirurgia. Não há sentido de fazer qualquer procedimento se o paciente não pretende mudar seus hábitos.
Há procedimentos que podem ser feitos na fase de crescimento dos adolescentes?
Sim, depende do procedimento, da idade do paciente e do que ele procura com a cirurgia. Uma paciente de 16 anos com gigantoplastia, por exemplo, pode apresentar indicações de realizar a cirurgia por conta dos danos que os seios grandes poderiam causar para sua saúde. A otoplastia, que é um procedimento de correção do crescimento excessivo das orelhas, pode ser realizado em pacientes desde os sete anos. É muito variável e cabe ao profissional conversar com a paciente e os responsáveis para estabelecer até aonde a cirurgia plástica pode chegar.
O que os profissionais podem fazer para aumentar a conscientização da população, principalmente os jovens, com relação às cirurgias plásticas?
O que a Sociedade Brasileira de Cirurgia Plástica tem feito nas redes sociais é uma campanha de conscientização da população. O que nós, cirurgiões, estamos fazendo é procurar conscientizar a população para que se procure o profissional adequado que seja apto para realizar as cirurgias. Se ele não estiver registrado no site da Sociedade Brasileira de Cirurgia Plástica e no site do Conselho Federal de Medicina, não se deve realizar nenhum tipo de cirurgia com ele, pois isto pode resultar em muitos problemas de saúde. O mundo inteiro está tendo problemas em relação a isto, mas no Brasil a situação é pior, pois falta muita fiscalização neste sentido
Quem faz muita cirurgia estética pode acabar se viciando em procedimentos estéticos? O que pode ser feito para frear este tipo de reação?
Sim. Existe um distúrbio, a dismorfofobia, que provoca no paciente a sensação de que sempre existe algo a ser corrigido, por mais que seu corpo esteja saudável e não apresente indicação nenhuma de cirurgia. Isto já aconteceu no meu consultório com pacientes que desejavam realizar lipoaspiração apesar de não possuírem nenhuma indicação para tal. Por isso é importante que o profissional converse com o paciente sobre o procedimento e demonstre o porquê não se deve realizar aquela plástica. Caso contrário, o paciente pode não se satisfazer com o resultado, que pode até causar uma sequela. O que eu ensino para os meus residentes é que é muito mais difícil contraindicar uma cirurgia para um paciente do que indicá-la. É preciso ter muita cautela e é sempre importante ter a consulta presencial, o exame físico e a entrevista com o paciente.